quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Mosca (Dir. David Cronenberg) - 1986

A Mosca, remake do filme A Mosca da Cabeça Branca (Dir. Kurt Neumann/1958), é um dos maiores clássicos da safra de ficções científicas da década de 80. O cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) cria uma invenção que mudaria a noção do homem frente o tempo e
ao espaço: um teletransportador. Em uma convenção de cientistas, Brundle conhece a jornalista Ronnie (Geena Davis) e, ansioso para mostrar sua façanha à alguém (já que sempre trabalhou sozinho no invento) a leva até o seu apartamento, onde exibe sua obra-prima. Deslumbrada, como qualquer um ficaria, a jornalista logo vê a oportunidade de elaborar uma reportagem que promoveria a sua carreira, porém a matéria é logo refutada pelo seu chefe e ex-namorado, Stathis Borans (John Getz), que mais tarde se interessa pela invenção, ao constatar que Brundle não era apenas mais um charlatão.

Temeroso que a matéria sobre sua máquina fosse lançada em um momento impróprio, Brundle propõe a Ronnie que ela o acompanhe em seu dia-a-dia como cientista, e, com uma câmara cinematográfica, registrar todos os momentos da criação desse invento extremamente inovador para a humanidade. Atraída pela idéia, Ronnie aceita e, como não poderia deixar de ser, se desenvolve um romance entre os dois. Em alguns momentos do filme, o cientista lida com o fato de que sua máquina é incapaz de teletransportar matéria viva, e isso é demonstrado quando um babuíno é, literalmente, virado de dentro para fora, expondo as suas vísceras, bem ao estilo Cronenberg. Porém, inspirado pela jornalista, Brundle chega à uma solução para o problema.

Sozinho em casa, o cientista sofre com a ausência de Ronnie e, tomado por sentimentos de ciúme e certa embriaguez, resolve testar a máquina em si mesmo. Tudo parecia correr bem, mas uma mosca penetra na mesma cabine de Brundle, o que desencadeia um processo de fusão de DNA entre os dois seres. A partir desse momento, o cientista passará por uma fase não apenas de metamorfose física, mas também psicológica, à la Franz Kafka em Metamorfose, e também de uma forma que apenas Cronenberg é capaz de fazer.

O cineasta faz questão de executar a metamorfose do cientista de forma horrenda, grotesca e gradual. A cada cena, é uma unha que cai, um líquido que é regurgitado, um dente que é arrancado. Cronenberg não poupa esforços para causar no espectador um sentimento de repulsa em relação à forma física que Brundle começa a tomar: "Brundlefly", transmitindo através das imagens forma, cheiro e gosto de uma verdadeira obra "trash".

No final das contas, A Mosca, é mais uma história de amor: um homem que em um momento decisivo da sua vida faz uma escolha errada, tendo que abrir mão de um futuro brilhante e de seu grande amor. Porém, nota-se que a humanidade em Brundle é conservada, quando em relação à sua amada. Apesar de, aos poucos, tornar-se uma fera não civilizada, o sentimento que possui em relação à Ronnie é mantido, levando-o a executar atitudes desesperadas, na tentativa de recuperar sua aparência humana, como ao tentar fundir em um só corpo o seu DNA com o da jornalista e o do filho que ela, temerosamente, aguarda.

O espectador continua, portanto, enxergando através daquela carcaça grotesca um homem que possui desejos, dores, paixões e alma, apesar de todos os esforços desprendidos pela equipe técnica ao elaborar a soberba maquiagem da personagem de Goldblum. Ou seja, o lado humano da história é mantido quase que integralmente. E é ai que se encontra a beleza na obra de Cronenberg. Também é interessante notar que da mesma forma que Brundle se [de]compõe em uma mosca, o seu apartamento acompanha o ritmo da mutação, fazendo com que o filme se passe boa parte em um ambiente asqueroso.

O realizador consegue extrair de uma narrativa que possuía tudo para ser demasiadamente tosca e trash, uma complexa análise psicológica. Ainda, desperta no espectador um sentimento de compaixão e afeto por uma das criaturas mais repugnante, abominável, horrenda e grotesca que a história do cinema já viu. Cronenberg merece verdadeiro reconhecimento por tal façanha.

* Oscar de Melhor Maquiagem e 2 indicações ao BAFTA, nas categorias de Melhor Maquiagem e Melhor Efeito Especial.

Download do filme: www.laranjapsicodelica.blogspot.com/2010/08/mosca-1986.html


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