quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Antes do Amanhecer (Dir. Richard Linklater) - 1995

É um filme limpo, claro e efêmero. Idealizado por um encontro em que Linklater, o diretor, conheceu uma mulher chamada Amy, enquanto andava pelas ruas de Filadélfia. Apesar de trazer em sua essência tal simplicidade, esta obra não tem nada de simples. Pense. Das pessoas que te cercam, com quantas você poderia realmente passar horas a fio conversando sobre o tudo e o nada, sendo apenas... você? Acho que a ideia de se conectar realmente a alguém é demasiadamente complexa. Ainda mais quando esse outro alguém é um desconhecido.

Fixado por essa premissa é que Linklater nos apresenta à Celine e Jesse, únicos personagens do longa. De forma despretensiosa, os dois se conhecem em um trem e acabam passeando por um dia todo nas ruas de Viena. Ele, um estadunidense desiludido e cínico, e ela, uma francesa cansada de tantos relacionamentos desgastantes. Basicamente esse é o filme. Duas pessoas se encontram, começam a conversar, se conectam, se apaixonam e se amam, por um dia. Simples. Pensando assim, pode ser que seja isso o que a maioria das pessoas procuram durante a vida inteira: simplicidade.

Celine e Jesse se instigam e assim, acabam analisando suas ideias já tão moldadas quanto ao que é felicidade ou o amor, por exemplo. Mas o que aqui se nota, é que de fato os dois são apenas jovens que vagam sem rumo pelo mundo. O filme acaba tratando não só dessas duas pessoas, mas de toda uma geração perdida, desiludida - algo existente na década de 90 e que ainda persiste, se não mais, nos dias atuais.

Construído completamente em cima de diálogos atraentes e inteligentes, o espectador presencia uma grande quantidade de conversas ora leves, ora reflexivas. É interessante como boa parte das pessoas que assistem a obra se identificam com os assuntos ali falados, apesar de parecerem originados de ideias tão individuais. Talvez por isso haja o encanto. É impossível assistir a esse filme e não pensar que seria perfeitamente possível algo assim de fato, acontecer.

Embalado pelas bonitas músicas do longa, o espectador presencia como é grande a beleza existente entre o mínimo espaço que separa duas pessoas. Até onde aquela projeção romântica imaginada pelos dois pode se tornar realidade, considerando que se trata de um encontro com horário para terminar? Ignorando o tempo, Jesse convence Celine a descer do trem sob o argumento de que "é preciso se permitir viajar no tempo, do futuro ao passado, sob a condição de jamais usufruir de oportunidade semelhante novamente".

O que se tira de tudo isso é que a linguagem é a melhor forma para ultrapassar a barreira do desconhecido, em relação ao outro. Aqui, cabe uma leitura valiosa:

“A criação veio da imperfeição. Parece ter vindo de um anseio e de uma frustração. É daí, eu acho , que veio a linguagem: do nosso desejo de transcender o nosso isolamento e de estabelecer ligações uns com os outros. Devia ser fácil quando era apenas uma questão de mera sobrevivência. Mas fica realmente interessante, quando usamos esse mesmo sistema de símbolos para comunicar tudo de abstrato e intangível que vivenciamos.. (…) As palavras são inertes, apenas símbolos. Estão mortas. E tanto da nossa experiência é intangível. Tanto do que percebemos é inexprimível. É indizível. E ainda assim, quando nos comunicamos uns com os outros e sentimos ter feito alguma ligação e termos sido compreendidos, acho que temos uma sensação quase como uma comunhão espiritual. Essa sensação pode ser transitória, mas é para isso que vivemos”.


É um filme sobre ir, sem saber para aonde.



* Prêmio de Melhor Diretor no Festival Internacional de Cinema de Berlim

* Download do filme: http://www.megaupload.com/?d=52JWSXU9

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Abismo Prateado (Dir. Karim Aïnouz) - 2011

Existem filmes que te tocam. Apesar de não terem
absolutamente nada de mais, apesar de terem uma premissa simples e nada de efeitos especiais. O Abismo Prateado é assim.

Uma dentista, Violeta, recebe uma mensagem em sua caixa postal do celular de Djalma, com quem é casada a 14 anos. Ele quer se separar por se sentir sufocado ao lado de Violeta e por não amá-la mais. Ainda, Djalma pede que Violeta não o procure, e como é de costume, ela obedeceu.

Casada com Djalma desde os 22 anos de idade, e com um filho de 14 anos, Violeta se vê lançada a um abismo. O que há aqui é uma total perda de referencial. Ela é deixada à deriva, e não tem a mínima idéia de como lidar com isso.

Com o abandono, a protagonista passa a ver tudo de uma forma diferente. Ela mesma se torna diferente. Uma mulher tão inteira vai se desfazendo ao vagar sem rumo por uma cidade na qual antes ela se encontrava tão facilmente, mas que agora simplesmente já não sabe mais para onde ir. "Qualquer lugar" parece bastar.

Violeta tenta achar alguma forma de preencher-se. No começo do filme, a dentista recomendou a uma paciente que esta tomasse bastante sorvete, pois a mesma havia acabado de extrair um dente e o sorvete tem esse poderoso poder de "fazer a gente sorrir e tirar a dor".

E é isso que a protagonista faz. Tenta encontrar em sua jornada algum tipo de coisa que a deixe feliz e que tire a sua dor. Considera a opção de pegar um avião e ir atrás de Djalma, se embebeda, dança loucamente e se conecta a uma família de desabrigados, com os quais cria uma relação de delicadeza única.

Não se sabe o por que, mas essa família é o sorvete de Violeta. Faz ela esquecer um pouco da rejeição que acabou de sofrer, lembrando-a que existem coisas além daquela vida que ela teve com seu marido. Mas, como todo sorvete que derrete na boca, a alegria que ela sente com essa família também acaba quando o pai e a menina vão embora. E, apesar de ter sido um encontro tão efêmero, essa partida dói mais no espectador até mesmo do que a partida de Djalma.

Explicitamente baseado na canção "Olhos nos Olhos" de Chico Buarque, o filme é basicamente isso: uma mulher que após tantos anos acostumada com uma vida a dois se vê jogada a um abismo, sem orientação, sem nem mesmo saber o por que. Ela encontra um pouco de alegria, mesmo tão transitória e nisso vê que pode seguir a vida e encontrar outras pessoas que a amem mais e melhor que Djalma, e quem sabe assim, se refazer.

* Quinzena dos Realizadores de Cannes/2011

* Download do filme: Ainda não disponível


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O Nevoeiro (Dir. Frank Darabont) - 2007

Realizado por Frank Darabont (À Espera de Um Milagre e Um Sonho de Liberdade), O Nevoeiro nos apresenta a uma realidade na qual uma misteriosa névoa envolve toda uma pequena cidade nos EUA, trazendo consigo criaturas que lembram insetos gigantes, no mais belo estilo dos adorados filmes B.

Seguindo a linha de raciocínio de Romero em seus filmes de zumbi, essa obra usa um contexto fantástico a fim de exaltar as relações humanas em situações insólitas. Fazer o espectador se transportar para a situação filmada e imaginar o que faria se estivesse naquele lugar é uma das intenções do diretor.
Em um só cenário, Darabont reúne os vários estereótipos existentes em uma sociedade: a
fanática religiosa, o bom pai de família, o ignorante, o cético, os militares etc. Dessa forma, criam-se inúmeros choques ideológicos enquanto os personagens tentam escapar daquela situação desoladora

A medida que a trama se desenvolve (baseada na obra de Stephen King), aos poucos as personagens se revelam, sendo que cada uma delas é uma protagonista. Darabont cria seu próprio microcosmo da sociedade norte-americana, colocando-o diante do medo. Basicamente, o filme retrata uma nação temerosa.

Uma das críticas que se tira desse filme é em relação à natureza humana: as pessoas são boas à medida que tem conforto, alimento e proteção. Coloque-as em uma situação de desespero para descobrir a verdadeira natureza de cada um. O maior inimigo do filme passa a ser o próprio ser humano, e não o nevoeiro em si. Ele apenas instiga a revelação de algo que sempre existiu: em uma situação de desespero, o que importa é achar uma resposta/solução, mesmo que essa não seja a certa.

Sem dúvida alguma, essa obra traz um dos finais mais angustiantes da história do cinema, sendo diferente do final feito por Stephen King. É um daqueles filmes que as pessoas veem uma vez e, apesar de terem gostado, não se arriscam a ver de novo.

* Prêmio de Melhor Filme pela Academia de Filmes de Ficção, Fantasia e Terror

* Download do filme: filmeshunter.com/suspense/o-nevoeiro-the-mist/


sábado, 22 de outubro de 2011

Desencanto (Dir. David Lean) - 1945

"Desencanto", título original "Brief Encounter", é um romance britânico realizado por David Lean, autor de vários outros clássicos como "Lawrence da Arábia", "Doutor Jivago" e "A Ponte do Rio Kwai". É estrelado por Celia Johnson e o iniciante Trevor Howard, ambos impecáveis em seus respectivos papéis de Laura Jesson e Dr. Alec Harvey.

Laura e Alec, pessoas comuns, são protagonistas de uma história de amor proibida, já que cada um possui uma família e é comprometido com outra pessoa, tendo filhos e uma vida já formada. Iniciado de uma forma inocente - Alec tira um cisco do olho de Celia - em uma das tardes de quinta-feira, o romance é desencadeado na medida em que uma vez por semana os protagonistas se encontram e tem a oportunidade de se conhecer melhor.

Tal obra cinematográfica é capaz de nos despertar para dois vértices: aquele no qual um belo romance nasce, porém nunca se realiza devido a impedimentos externos; ou a realidade na qual essas duas pessoas tão comuns e moralmente corretas, se veem como adúlteras.

É interessante notar que os impedimentos do desenvolvimento dessa paixão não são em momento algum do filme, colocados de uma forma maquiavélica. Pelo contrário. Celia nunca escondeu o carinho que tem por Fred, seu marido, uma pessoa tão bondosa e carinhosa com ela, um ótimo amigo, mas com o qual nunca poderia compartilhar da sua aventura. Alec, da mesma forma, demonstra admiração por sua esposa.

A fotografia do filme, feita por Robert Krasker, nos impele a captar o constante conflito que aflige cada uma das personagens, Celia principalmente. Entregar-se ou não a essa loucura? Ela, uma dona de casa tão convencional e até então, tão feliz com o seu casamento, poderia algum dia render-se ao amor, à paixão, que sentia por Alec? A protagonista mesmo reconhece achar que coisas assim nunca aconteciam com pessoas comuns.

Da mesma forma que cresce nos personagens uma agonia, esta cresce também no espectador. Não existe nessa obra um caminho certo ou um errado. Como avaliar as atitudes desses dois apaixonados, que até então achavam que tinham tudo, que tinham todo o amor que necessitavam? É difícil julgá-los, e isso traz a quem assiste a obra certa sensação de perda de senso, aos moralistas especialmente.

Talvez, justifica-se daí o título da obra. Pois, esta nos revela um processo de total desencanto. Desencanto, pois, iniciamos o filme tendo certa impressão quanto aos dois personagens. Duas pessoas corretas, incapazes de trair, incapazes de fazerem mal à pessoa que amam, incapazes de largarem os filhos para viverem, egoisticamente (?) um romance. Com o andar do filme, nos desencantamos com as personagens, mas nem mesmo por isso desejamos algum mal a elas. Stephen Lynn, interpretado por Valentine Dyall, demonstra bem essa sensação de desapontamento, ao flagrar Alec escondendo furtivamente sua amante, e isso era algo que nem mesmo o seu amigo, tão próximo, esperava.

Ainda é estranho tratar Laura ou Alec como "amantes". Querendo ou não, tal palavra carrega consigo um tom demasiadamente pejorativo. E algo tão belo como o que presenciamos no filme não merece qualquer carga desmerecedora.

É admirável como um filme é capaz de tirar o espectador de sua zona de conforto, e questioná-lo quanto à ideias que para ele já são vistas como dogmas. É delicado e desconfortável pensar que talvez, nem sempre, a infidelidade é nefasta. Pois vemos nessa obra como algo belo nasce mesmo quando não estamos buscando, mesmo quando não queremos. E a moral nada tem a ver com isso. É o amor por si só que se deixa demonstrar.


* Grand Prize de Cannes

* Download do filme: 4shared.com/file/111429041/26711417/brief_encounter_1945_xvid___wunseedee__3818523tpb.html

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A Floresta dos Lamentos (Dir. Naomi Kawase) - 2007

Naomi Kawase é a pessoa mais nova a ganhar o prêmio Caméra d'Or, em Cannes (1997), pela obra "Moe no Suzaku". "A Floresta dos Lamentos" deu à ela o Grand Prix (Cannes) em 2007. Premiações a parte, Kawase é uma das grandes diretoras do cinema atual. Em suas obras, busca explorar a simplicidade temática, como a busca pelo seu pai ("Embracing"), a avó que a criou ("Katatsumori") e a história fictícia da obra em questão, na qual uma enfermeira, Machiko, em luto pelo seu filho, cria uma relação especial com o idoso Shigeki, que busca na floresta algum tipo de conexão com sua falecida esposa, Mako.

Logo no início, nota-se a demência portada pelo idoso. Sempre com um olhar fixo, Shigeki parece manter em sua cabeça um único pensamento: Mako. Sua relação com a enfermeira, a primeira vista, é marcada por pequenos conflitos. Mas logo surge entre os dois uma ponta de afeição, o que é mostrado na cativante cena em que ambos brincam na plantação do asilo.

No dia do aniversário de Shigeki, Machiko resolve levá-lo para um passeio de carro. No caminho, o carro estraga, o que permite que os protagonistas continuem o passeio a pé. A seguir, o que se vê é uma gradual construção da relação entre as personagens: há a troca (cena em que um dá um pedaço de melancia para o outro), o consolo (quando Shigeki abraça a enfermeira, desesperada por ter revivido uma situação semelhante na qual perdeu seu filho) e a total entrega (quando Machiko se despe para esquentar o idoso que treme de frio).

Através dessas cenas, Kawase firma entre a enfermeira e o idoso uma relação marcada por um mesmo fim: a satisfação do sentimento de luto. Shigeki desprende uma incansável busca na floresta afim de, em algum lugar por ali, conectar-se à sua amada. Em vários pontos, acredita estar em contato com o espírito de Mako. Machiko, por outro lado, continua sofrendo constantemente a ausência de seu filho, e a consequente destruição de sua família.

A floresta torna-se para ambos um lugar para despejar suas lágrimas, frustrações, medos, desejos e lamentos. O título original do longa é "Mogari no Mori", sendo que "Mogari", como explicado no final da obra, significa algo como "final do luto". E é justamente isso que é tratado no filme. Em meio a floresta (retratada de forma semelhante ao modelo de Apichatpong Weerasethakul), Shigeki e Machiko chegam ao fim de um longo processo de luto.

A beleza na obra de Kawase permanece não apenas na montagem da relação entre o idoso e a jovem, que carregam em comum o fardo da perda, mas também na forma pela qual cada uma das personagens consegue viver em paz com esse sentimento; na forma como cada um chega ao final do seu luto. Shigeki se entrega à terra, à Mako, à morte; Machiko encontra a aparentemente inalcançável paz existente na perda.

A cena final do longa é com certeza a mais tocante da obra, se não, a mais tocante da filmografia da realizadora. A jovem roda a caixinha de música, buscando através do som o até então perdido contato com seu filho. Enquanto o idoso finaliza seu luto através da morte, Machiko o faz reencontrando a vida.

* Vencedor do Grande Prêmio de Cannes

* Download do filme: www.superdownloadsfull.com/filmes/mogari-no-mori-a-floresta-dos-lamentos-dvdrip-mega

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Eternamente Sua (Dir. Apichatpong Weerasethakul) - 2002

Apichatpong, ou Joe (como prefere ser chamado) é com certeza um dos expoentes mais singulares do cinema oriental contemporâneo. Suas obras são consideradas pela crítica mundial como "acriticáveis", devido a estranheza particular contida em seus filmes.

"Eternamente Sua", obra vencedora do prêmio Un Certain Regard em Cannes, é um filme sensorial, explorando especialmente o tato, a audição e o paladar. Explora o tato em cenas como aquela em que a formiga pica Roong; quando Ong e Roong passam o peculiar creme na pele de Min para aliviar sua dor; as cenas prolongadas que mostram as relações sexuais. Há o paladar, no momento em que o jovem casal realiza a refeição no pique-nique; quando o casal de velhos degusta frutas após o coito. Audição, marca registrada no cinema apichatponguiano, através dos sons da mata que, de certa forma, marcam o ritmo da obra.

Diz-se que o filme conta com certa "estranheza particular", pois é árduo encontrar em outras obras ou diretores aspectos que talvez pudessem ter inspirado Joe em sua direção. O crítico Ruy Gardnier arrisca dizer que o tratamento dado ao tempo em "Eternamente Sua" remete um pouco às obras "Empire State" e "Sleep" de Andy Warhol, devido às "radicais experiências temporais" do filme. Mas, talvez, tamanha particularidade desse tailandês seja oriunda do fato de o mesmo, além de cineasta, também ser artista plástico. Tal fato apenas nos reforça no momento de dizer que os filmes de Joe não são apenas obras, mas verdadeiras obras-primas.

Ainda, arrisco a dizer que talvez a inovação contemporânea trazida pelo cinema de Joe, deva-se, em partes, à própria simplicidade das histórias que são minimamente narradas nas suas obras. Sim, talvez seja isso, talvez seja a "minimização narrativa" que traz a esses filmes tamanha carga hipnótica, encantando o público, através de planos fixos e uma fotografia essencialmente coordenada pela própria natureza. Sem dúvidas, Joe desfruta de um pouco de sorte ao realizar as suas produções, tendo o privilégio de contar com a dose exata de luz do sol nos momentos certos de seus filmes, sol este que também é um dos protagonistas de suas obras.

Mas, além de Roong, Min, Ong e o sol, um dos grandes protagonistas de "Eternamente Sua" é o tempo. Aqui, Joe elabora um rico meio pelo qual o tempo passa de forma equitativa para os personagens e o próprio público. Ou seja, o público tem a nítida impressão de realmente ter, por exemplo, percorrido todo o trajeto até a floresta com o casal, devido a fidelidade dos cortes das cenas em relação ao tempo.

Como não poderia deixar de ser, o lado explorado do tempo nas obras apichatponguianas é justamente a sua efemeridade, a sua passagem. São inúmeras as referências no filme quanto a essa efemeridade: a condição de imigrante de Min (remetendo ao fato de que sua estadia na Tailândia é temporária), o rio correndo (e constantemente se renovando) e o próprio passeio feito pelo casal (elucidando o fato de que nem sempre a efemeridade é boa, pois faz com que momentos agradáveis tenham, de fato, um fim).

A lágrima quase imperceptível que percorre o jovial rosto de Roong no final do filme, reforça a idéia de passagem. E, ainda, lamenta o fato de que coisas, aparentemente eternas em sua duração, certa hora cheguem ao fim, como ocorre com o próprio casal, Roong e Min. Eles, apesar de desfrutarem daquela, aparentemente eterna, tarde de amor, tem seus caminhos separados por outras circunstâncias, também efêmeras.

* Vencedor do Prêmio Un Certain Regard, Cannes.

*Download do filme: laranjapsicodelica.blogspot.com/2011/06/eternamente-sua-2002.html

segunda-feira, 25 de julho de 2011

"Quando o close-up retira o véu de nossa imperceptibilidade e insensibilidade com relação às pequenas coisas escondidas e nos exibe a face dos objetos, ele, ainda assim, nos mostra o homem, pois o que torna os objetos expressivos são as expressões humanas projetadas nesses objetos."

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Mosca (Dir. David Cronenberg) - 1986

A Mosca, remake do filme A Mosca da Cabeça Branca (Dir. Kurt Neumann/1958), é um dos maiores clássicos da safra de ficções científicas da década de 80. O cientista Seth Brundle (Jeff Goldblum) cria uma invenção que mudaria a noção do homem frente o tempo e
ao espaço: um teletransportador. Em uma convenção de cientistas, Brundle conhece a jornalista Ronnie (Geena Davis) e, ansioso para mostrar sua façanha à alguém (já que sempre trabalhou sozinho no invento) a leva até o seu apartamento, onde exibe sua obra-prima. Deslumbrada, como qualquer um ficaria, a jornalista logo vê a oportunidade de elaborar uma reportagem que promoveria a sua carreira, porém a matéria é logo refutada pelo seu chefe e ex-namorado, Stathis Borans (John Getz), que mais tarde se interessa pela invenção, ao constatar que Brundle não era apenas mais um charlatão.

Temeroso que a matéria sobre sua máquina fosse lançada em um momento impróprio, Brundle propõe a Ronnie que ela o acompanhe em seu dia-a-dia como cientista, e, com uma câmara cinematográfica, registrar todos os momentos da criação desse invento extremamente inovador para a humanidade. Atraída pela idéia, Ronnie aceita e, como não poderia deixar de ser, se desenvolve um romance entre os dois. Em alguns momentos do filme, o cientista lida com o fato de que sua máquina é incapaz de teletransportar matéria viva, e isso é demonstrado quando um babuíno é, literalmente, virado de dentro para fora, expondo as suas vísceras, bem ao estilo Cronenberg. Porém, inspirado pela jornalista, Brundle chega à uma solução para o problema.

Sozinho em casa, o cientista sofre com a ausência de Ronnie e, tomado por sentimentos de ciúme e certa embriaguez, resolve testar a máquina em si mesmo. Tudo parecia correr bem, mas uma mosca penetra na mesma cabine de Brundle, o que desencadeia um processo de fusão de DNA entre os dois seres. A partir desse momento, o cientista passará por uma fase não apenas de metamorfose física, mas também psicológica, à la Franz Kafka em Metamorfose, e também de uma forma que apenas Cronenberg é capaz de fazer.

O cineasta faz questão de executar a metamorfose do cientista de forma horrenda, grotesca e gradual. A cada cena, é uma unha que cai, um líquido que é regurgitado, um dente que é arrancado. Cronenberg não poupa esforços para causar no espectador um sentimento de repulsa em relação à forma física que Brundle começa a tomar: "Brundlefly", transmitindo através das imagens forma, cheiro e gosto de uma verdadeira obra "trash".

No final das contas, A Mosca, é mais uma história de amor: um homem que em um momento decisivo da sua vida faz uma escolha errada, tendo que abrir mão de um futuro brilhante e de seu grande amor. Porém, nota-se que a humanidade em Brundle é conservada, quando em relação à sua amada. Apesar de, aos poucos, tornar-se uma fera não civilizada, o sentimento que possui em relação à Ronnie é mantido, levando-o a executar atitudes desesperadas, na tentativa de recuperar sua aparência humana, como ao tentar fundir em um só corpo o seu DNA com o da jornalista e o do filho que ela, temerosamente, aguarda.

O espectador continua, portanto, enxergando através daquela carcaça grotesca um homem que possui desejos, dores, paixões e alma, apesar de todos os esforços desprendidos pela equipe técnica ao elaborar a soberba maquiagem da personagem de Goldblum. Ou seja, o lado humano da história é mantido quase que integralmente. E é ai que se encontra a beleza na obra de Cronenberg. Também é interessante notar que da mesma forma que Brundle se [de]compõe em uma mosca, o seu apartamento acompanha o ritmo da mutação, fazendo com que o filme se passe boa parte em um ambiente asqueroso.

O realizador consegue extrair de uma narrativa que possuía tudo para ser demasiadamente tosca e trash, uma complexa análise psicológica. Ainda, desperta no espectador um sentimento de compaixão e afeto por uma das criaturas mais repugnante, abominável, horrenda e grotesca que a história do cinema já viu. Cronenberg merece verdadeiro reconhecimento por tal façanha.

* Oscar de Melhor Maquiagem e 2 indicações ao BAFTA, nas categorias de Melhor Maquiagem e Melhor Efeito Especial.

Download do filme: www.laranjapsicodelica.blogspot.com/2010/08/mosca-1986.html


quarta-feira, 29 de junho de 2011

O Enigma de Kaspar Hauser (Dir. Werner Herzog) - 1974

O Enigma de Kaspar Hauser, filme considerado por muitos como a obra-prima do renomado diretor Werner Herzog, conta a chocante história de um rapaz abandonado em praça pública, em meados de 1828 em Nuremberg. Kaspar Hauser, como mais tarde ficaria conhecido, viveu durante um longo período em uma caverna, na qual não tinha contato com a natureza ou outros seres vivos. Incapaz de andar e falar (o rapaz pronunciava poucas palavras e frases como "cavalo" e "lembre-se disso"), foi deixado com uma carta em sua mão por seu "pai", no centro da cidade.
A partir de então, Kaspar passará por um processo de ajustamento social, onde deverá aprender desde os preceitos mais básicos (como se portar à mesa) até os mais complexos (como a lógica e a religião). É interessante notar que assim como o ator Klaus Kinski (Aguirre: A Cólera Dos Deuses, Fitzcarraldo, entre outros),
Bruno S. (Kaspar Hauser) formou com Werner Herzog uma frutífera parceria, porém efêmera. Alguns afirmam que O Enigma de Kaspar Hauser, assim como Stroszek, ambos estrelados por Bruno S., tentam explicar um pouco da personalidade desse peculiar ator, que aos 3 anos de idade foi erroneamente internado por ter uma suposta doença mental, ficando na instituição até os seus 30 anos. Posteriormente, foi diagnosticado com esquizofrenia, decorrente desse período de internação.
Em uma interessante análise, o crítico Rodrigo de Oliveira relata que Herzog enxergava em Bruno S., durante as gravações, uma postura de estranhamento, mas não em relação ao set ou à equipe de filmagem, mas sim em relação às convivências humanas. Talvez por isso, seja Bruno S. o único capaz de interpretar de forma íntegra Kaspar Hauser: os dois percebiam a sociedade com um olhar exterior; não compreendiam as convenções e dificilmente aceitavam dogmas simplesmente pelo fato de serem verdades absolutas.
Em um momento delicado do filme, Kaspar incomoda a Igreja dizendo que antes de entender ou aceitar a religião, deveria aprender coisas como ler e escrever, para só assim poder compreender alguma outra matéria. Logo, ao exigir um conhecimento anterior à fé, o rapaz consegue definir a questão divina como apenas mais uma criação do homem. Em vários momentos do filme, ele afirma se sentir vazio, e até mesmo, que preferia sua vida quando preso em uma caverna. Porém, é através da arte que ele encontra um preenchimento, até então não conquistado por meio de sua introdução à ciência, lógica ou religião.
Ainda, os laços afetivos que estabelece com a comunidade que o "cria" são capazes de fazê-lo sentir, de fato, um homem (como na cena em que ele
pega o bebê em seu colo, emocionando-se). Em momento algum do filme é possível desvendar o verdadeiro enigma da personagem. Erroneamente, as autoridades locais acreditam que o fato de Kaspar possuir o lado esquerdo do cérebro atrofiado ou o fígado largo, poderia explicar alguma coisa sobre a natureza do rapaz. Mas não.

O verdadeiro enigma de Kaspar Hauser transcende a explicação lógica ou científica. Seria o homem de fato um homem, mesmo se não inserido no mundo social? Poderia Kaspar algum dia sê-lo? Ou seria apenas uma aberração de circo? Herzog mostra que as respostas dessas questões são dispensáveis, já que os laços afetivos criados pelo rapaz são capazes de atravessar a questão daquilo que é socialmente aceito.

Kaspar Hauser era apenas um rapaz, criado até os seus 17 anos em uma caverna e sem noção alguma do significado das palavras "afeto" e "sonho", porém que consegue, através da sua vida mundana, estabelecer parâmetros para realizar viagens oníricas e encantar todos aqueles que com ele se importam, como quando conta uma história sem fim.

* 6 prêmios e 1 indicação, dentre eles o Grande Prêmio do Júri e o Prêmio do Júri Ecumênico, no Festival de Cannes de 1975.


Download do filme: www.laranjapsicodelica.blogspot.com/2010/05/o-enigma-de-kaspar-hauser-1974.html